segunda-feira, 17 de março de 2014

CARTEIRA PRETA

Transcrito da Revista Brasileiros - Por   Luiza Villaméa

Carlos Alberto Augusto, 70 anos completados no dia 1o de abril, fez questão de vestir smoking para ser entrevistado pela Brasileiros. No salão de seu cabeleireiro em São Paulo, depois de ter os cabelos cuidadosamente escovados, ele explicou o motivo do traje: “Tenho o maior respeito pelas Forças Armadas. Como nunca fui militar e nunca tive farda ou uniforme de festa, a partir de agora vou passar a me apresentar de smoking, em respeito às Forças Armadas. E essa gravatinha preta que está no meu pescoço é em respeito às vítimas do terror”. Entre 1970 e 1977, o delegado trabalhou como investigador do DOPS de São Paulo, na equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Conhecido pela crueldade nas sessões de tortura, Fleury morreu em maio de 1979, depois de cair de sua lancha, em Ilhabela, no litoral paulista. O antigo chefe é um dos heróis do delegado Augusto, que ganhou o apelido Carteira Preta nos tempos de investigador do DOPS. Ele conta que a alcunha se deve ao fato de ter usado por muitos anos uma carteira funcional de cor preta.

Os outros dois heróis nomeados pelo delegado são o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo. Brilhante Ustra chefiou entre 1970 e 1974 o DOI-Codi de São Paulo, um dos mais truculentos centros de repressão do País. Cabo Anselmo, por sua vez, jamais alcançou a patente pela qual ficou conhecido. Líder da Revolta dos Marinheiros de 1964, ele depois se infiltrou em organizações de resistência armada à ditadura, que ajudou a dizimar com suas delações. O investigador Carteira Preta também assumiu o papel de infiltrado nos anos 1970. Com o codinome César, ele atuou em parceria com Cabo Anselmo em pelo menos uma temporada, que culminou com a morte de seis guerrilheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, em Abreu e Lima (PE). “Procurei cumprir minha missão, que é salvar vidas”, afirma o delegado, ao falar sobre o massacre. Na Justiça Federal, tramita uma ação em que ele é acusado de participar do desaparecimento de um corretor da Bolsa de Valores de São Paulo, Edgar de Aquino Duarte, antigo colega de Cabo Anselmo na Marinha. “Não tem nenhuma prova de que eu tenha prendido esse cidadão”, diz o delegado.
Ele também garante que não foi torturador, embora seu nome conste de relação de algozes preparada por ex-presos políticos. Em maio do ano passado, três meses depois de transferido para Itatiba, no interior paulista, o delegado foi alvo de um protesto organizado por ativistas da Frente de Esculacho Popular. Inspirado em ações realizadas na Argentina e no Uruguai, o grupo procura localizar os torturadores da época da ditadura e denunciá-los em público. Na ocasião, panfletos com um resumo biográfico não autorizado do delegado foram distribuídos na cidade. “Esse é um esquema montado para desmoralizar as autoridades policiais. Quem me conhece, me ama. E acaba me chamando de Carteirinha”, diz. Aposentado desde o dia 5 de fevereiro deste ano, o delegado conta nas páginas seguintes a sua versão da história.
Brasileiros – Onde o senhor estava quando ocorreu o golpe de 1964?
Augusto – Eu tinha 20 anos, trabalhava como vendedor numa multinacional. Encontrava-me na rua Florêncio de Abreu, próximo ao Mosteiro dos Jesuítas no Largo São Bento, no centro de São Paulo. Lembro de papéis picados jogados dos edifícios, hinos pátrios tocando alto em apoio às Forças Armadas, que nos salvaram do comunismo. Foi uma festa com liberdade e segurança total. Teve apoio da imprensa, da sociedade brasileira, dos informantes e alcaguetes.

Brasileiros – Como se decidiu pela carreira de policial?
Augusto – O policial de verdade nasce policial. Tem caráter de policial, sangue de policial nas veias. E precisa ter coragem e muita sorte. Foram 44 anos, dois meses e cinco dias de profissional da polícia. No total, tenho certidão de 55 anos trabalhados em prol do Brasil, sempre recolhendo impostos.
Brasileiros – E o apelido Carteira Preta?
Augusto – Sou policial por rígido concurso público. Em estágio probatório, fui designado para cumprir minha missão no DOPS, onde minha carteira funcional era preta. Lá também trabalhavam ex-guardas civis, com carteira funcional vermelha, escrivães com carteira verde, e delegados, que até hoje usam carteira vermelha. Como investigador de polícia, tira de verdade, me restou esse apelido, Carteira Preta. Com a carteira, fui Policial do Mês, Policial do Ano. Recebi vários elogios de secretários de Segurança, procuradores do Estado, governadores. Mas o gostoso e o que me honra muito é ser elogiado pelas vítimas, pela sociedade que reconhece os bons policiais. E é à sociedade brasileira que devo satisfações, a quem tenho de prestar contas. É ela quem paga meu salário, hoje discriminado, ganhando menos por ser aposentado.
Brasileiros – Entre os presos políticos, o senhor é também conhecido como Carlinhos Metralha. Por quê?
Augusto – A mentira é sempre a arma dos comunistas, terroristas, ladrões do povo. Tomei conhecimento desse apelido quando entrei com uma ação contra o maior grupo de mídia do Brasil, que divulgou na televisão uma reportagem falando nesse apelido. A ação que impetrei foi difícil, desgastante, mas ganhei uma vergonhosa indenização na Justiça. Afinal, enfrentei bancas de advogados com fortes ligações com o judiciário. Esses comunistas piratas, terroristas que me respeitavam muito, inventaram isso. Eu tinha minha metralhadora de nove milímetros sempre nas mãos. Foi comprada por mim, mas o Estado me expropriou.
Brasileiros – Expropriou? Como?
Augusto – Quando eu saí do DOPS e fui para o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), o delegado que estava no DOPS patrimoniou a metralhadora, não sabendo que era minha. Eu não pude pegar. Ficou para o Estado, sem minha autorização. Era uma Smith de nove milímetros, comprada no Exterior.
Brasileiros – Entre 1970 e 1977, o senhor trabalhou diretamente com o delegado Fleury, no DOPS, em São Paulo. É considerado o braço direito do delegado. O senhor fazia exatamente o quê?
Augusto – Nunca fui braço direito do herói doutor Sérgio
Paranhos Fleury. Este sim, foi delegado de polícia comprometido com a sociedade, cumpriu sua missão. Eu procurava fazer o melhor para salvar e defender vidas. Infiltrei-me em quase todas as organizações criminosas. Só faltaram os partidos políticos.

Brasileiros – Como o senhor define o delegado Fleury?
Augusto – Homem de verdade, macho, cumpridor de ordens, hierarquia sempre. Herói nacional.
Brasileiros – Em maio do ano passado, o senhor foi alvo de um protesto da Frente de Esculacho Popular, em Itatiba, no interior de São Paulo, para onde havia sido transferido três meses antes, depois de promovido a delegado de segunda classe. Como foi?
Augusto – Essa manifestação de otários, sócios do clube dos imbecis, me deixou feliz e contente. Lutei e vou lutar sempre pela democracia, pela liberdade de imprensa, de ir e vir, de gritar bem alto: “Cuidado com os Comunistas”, “Eles comem criancinhas”. Eles são covardes, falsos revanchistas, terroristas, ladrões do povo, acostumados ao cárcere, sempre escudados pela frase “Sou preso político”. Assim ganham indenizações.
Brasileiros – Qual foi a reação das pessoas da cidade?
Augusto – Na delegacia, na padaria, no lugar onde eu almoçava, todos foram solidários comigo. Esse esquema do esculacho é do Partido Comunista. Já atuaram assim na Argentina, no Uruguai. É um esquema para desmoralizar as autoridades policiais, para o partido crescer. Quem me conhece, me ama. E acaba me chamando de Carteirinha.
Brasileiros – Tanto os manifestantes que foram a Itatiba quanto presos políticos afirmam que o senhor foi torturador. O senhor torturou?
Augusto – Não, nunca torturei. Mas todo criminoso dá a interpretação dele. Para essa cambada de vagabundos, vadios, ladrões do povo, terroristas, estou torturando até hoje. Se não me respeitassem, não falavam inverdades de mim. Lutei pra isso. Deixa falarem. Depois eu cobro na Justiça, em que confio. Demora, mas ganho sempre.
Brasileiros – E a tortura no DOPS?
Augusto – Não tinha. Não tinha tortura de jeito nenhum.
Brasileiros – Como assim?
Augusto – Posso lhe garantir o seguinte, eu ficava muito tempo fora. Quando estava dentro, nunca vi tortura. Também não consta. Diariamente, a orientação de todos os advogados é para o cliente dizer que foi torturado. Naquela época, os advogados dos terroristas também orientavam nesse sentido. Mas quem está sento torturado agora sou eu. Com 70 anos de idade, sob pressão de bandido.
Brasileiros – O senhor faz aniversário em 1º de abril, o mesmo dia do golpe.
Augusto – Não houve golpe. Vou explicar. O que houve foi contragolpe. Na época, eu não era policial, mas acompanhava pelos jornais. Jânio Quadros foi a Cuba com o vice dele, João Goulart. Voltaram com dinheiro para pagar despesas da campanha política. Os dois. Jango comprometeu-se com Fidel Castro que iria facilitar a implantação do comunismo no Brasil. Essa informação que estou lhe passando agora, o Exército ficou sabendo naquela época. E o povo brasileiro exigiu que o Exército tomasse providência. Jânio Quadros ficou nove meses no poder, sob pressão dos militares, o que ele chamou de forças ocultas. Com a renúncia dele, o vice jamais poderia assumir. Por quê? Porque eles chegaram até a condecorar Che Guevara, o braço direito de Fidel Castro, quando ele veio ao Brasil.
Brasileiros – Quando o senhor estava no DOPS, como era o seu contato com o coronel Brilhante Ustra, do DOI-Codi?
Augusto – Nunca trabalhei numa unidade do Exército. Não tinha contato com o coronel Ustra. Eu o conheci há oito anos, num jantar. Para mim, o coronel Ustra é um herói nacional. Contra a pátria não há direitos. A única falha das Forças Armadas foi não ter aplicado os artigos do Código Penal Militar que preveem julgamento e condenação à morte em caso de guerra. E nós vivemos uma guerra. Uma guerra traiçoeira, porque não existia fardamento de uma das partes.
Brasileiros – E como era o contato com o II Exército?
Augusto – Não era assim. O que existia na época era a comunidade de informações, os órgãos de inteligência. Nas reuniões, participavam as autoridades, os governadores. Aliás, eu fiz a escolta de Laudo Natel (quando ele foi governador eleito de forma indireta, de 1971 a 1975). Fiz também a escolta do promotor Hélio Bicudo. Ele não queria, mas nós saíamos todos correndo atrás dele, para dar proteção.
Brasileiros – Na época em que ele denunciava o Esquadrão da Morte?
Augusto – É. Fiquei na porta da casa dele, passando frio. Ele não teve a dignidade de oferecer um café para os policiais. Quem ofereceu café e o banheiro da empregada para os policiais do DOPS foi um vizinho dele.
Brasileiros – É curioso que justamente o senhor tenha feito a proteção de Hélio Bicudo. Ele acusava Fleury de comandar o Esquadrão da Morte.
Augusto – O doutor Hélio Bicudo estava apurando fatos que não existiam. De qualquer forma, a missão da polícia é proteger a sociedade. Ele está vivo até hoje. Doutor Fleury nunca falou mal do doutor Hélio Bicudo. Nada. Ele estava na função dele, de promotor do Estado. E o doutor Fleury estava na função dele, de delegado de polícia.
Brasileiros – A morte de Fleury foi um acidente? Ou queima de arquivo?
Augusto – Foi realmente um acidente. Nós apuramos tudo. Investigamos cem vezes. Se alguém tivesse praticado esse crime, garanto que também não estaria vivo.
Brasileiros – O senhor se considera um arquivo vivo da ditadura?
Augusto – Não. Se fosse, esses canalhas vermelhos, covardes, já teriam me matado. Eles não querem saber das verdades, aquelas tomadas por juízes, delegados de polícia, promotores de justiça, padres alcaguetes, etc. Essa verdade não interessa a eles, gostam como sempre de ouvir A Internacional. É o hino preferido dos comunistas. E eles são perigosíssimos.

Brasileiros – Mas o senhor acredita que corre perigo?
Augusto – Demais. O único delegado da Polícia Civil que enfrenta esses canalhas, esses bandidos, sou eu. E vou continuar enfrentando. E vou dizer. Vou morrer trocando tiro.
Brasileiros – Está escrevendo um livro de memórias?
Augusto – Só rascunhos, de alguns serviços feitos, no tráfico de drogas, ladrões de autos, sequestros desvendados, mas estou pesquisando no Arquivo Público do Estado de São Paulo (lá está o acervo do DOPS, com 13 mil pastas de dossiês, 150 mil prontuários e cerca de dois milhões de fichas).
Brasileiros – Apenas a Comissão Nacional da Verdade tem poder para convocar depoentes. O senhor aceita prestar depoimento em outra comissão aberta para apurar os crimes da ditadura, como a do Estado de São Paulo?
Augusto – Sendo convocado, não tem outra saída. Sou funcionário público. Mas, como é para falar a verdade à sociedade, tem que ser de público, à noite, com a mídia presente, ao vivo. Tenho de convidar meus amigos, parentes, superiores, Forças Armadas, parentes das vítimas, e ser sabatinado, mas por quatro anos. Só assim a verdade virá à tona.
Brasileiros – Por que à noite? E por quatro anos?
Augusto – Durante o dia, esses bandidos, como foram indenizados, não trabalham mais. Eles já estão ricos. Então, vão em todos os eventos possíveis para falar mal das autoridades policiais. À noite, eu poderia levar os meus amigos e a sociedade. Porque a sociedade é ordeira e gosta de trabalhar. E eles são vagabundos. E não adianta me convidarem para ir à comissão da verdade por quatro horas. Eles querem quatro horas só para humilhar. A história que eu tenho para contar, eu poderia ficar quatro anos falando. Eu quero falar sobre o Partido Comunista, sobre os assassinatos, os justiçamentos que eles fizeram.
Brasileiros – O senhor atuou infiltrado em Recife, em um grupo da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, de resistência armada à ditadura). É verdade que naquela época participou de uma reunião com o bispo Dom Hélder Câmara (arcebispo, defensor dos direitos humanos)? Como foi?

Augusto – Fiquei infiltrado muito tempo nessa covarde organização terrorista criminosa. Tive várias reuniões com o cardeal, na casa paroquial, em Olinda. Respeito muito Dom Hélder, mas me nego a dizer o que ele instigava.

Brasileiros – No começo de 1973, o senhor estava em Recife, atuando com o codinome César, em parceria com Cabo Anselmo (líder da Revolta dos Marinheiros em 1964, mais tarde espião e delator, a serviço do delegado Fleury). Foi quando seis militantes da VPR foram mortos, em um sítio em Abreu e Lima (PE). O episódio é conhecido como Massacre da Chácara São Bento. O que aconteceu?

Augusto – Procurei cumprir minha missão, que é salvar vidas. A carta veio de Cuba. Por essa ordem vinda de Cuba, um tribunal revolucionário vermelho, composto pelas vítimas, terroristas, havia condenado à morte o herói José Anselmo do Santos, ou Cabo Anselmo, ou Jonathan, ou Daniel. Falei que o apartamento não era lugar para executar ninguém. Disse que eu levava o Cabo Anselmo para a área de guerrilha, porque não era um sítio, era área de guerrilha. Ele estava armado. Entregou a arma. Eu o amarrei.
Brasileiros – E depois?
Augusto – Após o julgamento, saí com o Cabo Anselmo para a execução. Depois, deveria enterrá-lo em local próximo e não sabido, em vala feita pelos marginais do tribunal. Mas, devidamente avisadas, as forças repressoras cercaram a área, para prender os idiotas. Ocorre que um cachorro atacou um policial, que deu um tiro, em vez de uma paulada. Com o barulho, sabendo que não tinham chances, os terroristas reagiram, para não ir para a tortura. Era o que mandava a cartilha do facínora Marighella (Carlos Marighella, líder da ALN, a Ação Libertadora Nacional, que escreveu o Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano). Eles fizeram o que aprenderam nos cursos de guerrilha de Cuba. Morrer pela causa e pela revolução. Eles reagiram. Morreram. Eu e o Cabo Anselmo estávamos bem longe do local. Não posso dizer nada sobre os detalhes. Não sei.
Brasileiros – Desde então, o senhor foi uma espécie de protetor do Cabo Anselmo. É assim?
Augusto – Sempre fui pago para proteger a sociedade. Cumpri o meu dever. O Cabo Anselmo deveria ter a proteção do Estado, compromisso assumido na época. Mas os dirigentes do Estado mudaram, deixaram o Cabo Anselmo na mão. Hoje, vive como morador de rua, em algum assentamento do MST ou numa invasão de prédios na capital de São Paulo.
Brasileiros – O vínculo entre os senhores se rompeu em outubro de 2011, depois de ele dar uma entrevista na TV Cultura?
Augusto – Não se rompe afetividade. Gosto dele até hoje. Como homem de verdade, ele evitou muitas mortes, procurou ajudar as autoridades no dever cívico, de brasileiro. Nunca traiu a pátria como esses muitos que estão no poder.
Brasileiros – O próprio Cabo Anselmo assume que delações dele provocaram mais de cem mortes nos grupos de esquerda.
Augusto – Não é assim. Eu vou explicar. Quando ele foi entrevistado pelo Pena Branca (Octávio Ribeiro, o Pena Branca, primeiro jornalista a entrevistar Cabo Anselmo, em 1984, para a revista IstoÉ), a resposta sobre as baixas ficou “não sei, podem ser cem, podem ser 200”. Na verdade, ele não entregou ninguém. Ele estava sob vigilância havia alguns meses. Sabe o Carlos Eugênio da Paz (um dos comandantes da ALN )? Sabe por que ele está vivo? Porque interessava aos órgãos de segurança.
Brasileiros – Mas ele não era informante da repressão.
Augusto – Não. Mas bastava segui-lo para chegar aos contatos dele. Ele não cumpria nenhuma norma de segurança da cartilha do Marighella. Sabe a Tereza Ângelo (guerrilheira da VPR)? Eu a recebi na antiga rodoviária de São Paulo. Ela não sabia, é claro. De lá, ela tomou um ônibus para um ponto (encontro clandestino) em Santo Amaro. Depois retornou para o centro. Entrou na Biblioteca Mário de Andrade. Para entrar lá, tem de deixar a bolsa no guarda-volumes. Eu me identifiquei para o funcionário, peguei a bolsa, fotografei tudo. Ela estava com espelhos de identidades e passaportes falsos. Pelo rádio, me comuniquei com o doutor Fleury. Já tinha passado o número do ticket da mala que ela deixou na rodoviária, que também foi aberta e examinada. Quando saiu da biblioteca, essa moça foi à Polícia Federal, que ficava na rua Xavier de Toledo. Sei com quem ela conversou. De lá, ela voltou para a rodoviária. Quando embarcou, o doutor Fleury passou os dados dela e do ônibus para os policiais do destino. Era só campana, campana, campana. E tinha campana móvel e fixa.
Brasileiros – E a aproximação com o Cabo Anselmo? Como foi?
Augusto – Como sempre, alguém o caguetou. A informação inicial veio do meio deles. Depois das investigações, as campanas se desenrolaram. Passamos a acompanhá-lo. Como estava só, levou o bote.
Brasileiros – O senhor também atuou infiltrado no movimento sindical do ABC. O que apurou?
Augusto – Não é só isso. Atuei no Estado, chefiava a Delegacia de Sindicatos e Associações de Classe do DOPS. Fiz curso de sindicalista, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, quando o presidente era o Joaquinzão (Joaquim Andrade dos Santos, símbolo do peleguismo durante a ditadura). Não aceitei o certificado expedido, optei pela Polícia Civil de São Paulo, com quem casei e fui traído. Se eu tivesse optado pelo sindicalismo, com a experiência de investigador de polícia, tenho certeza de que seria hoje um ministro mais qualificado do que os que estão nos governando. Pelo menos na honestidade.
Brasileiros – Em um processo na Justiça Federal, o senhor é acusado de participar do desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte, corretor da Bolsa de Valores de São Paulo. Segundo o Ministério Público, o senhor participou da prisão dele, em junho de 1973. Como foi?
Augusto – Não tem nenhuma prova de que eu tenha prendido esse cidadão. Não tem porque não existe nem o fato, muito menos a prisão.
O que vem acontecendo há mais de 15 anos são boatos, mentiras dos covardes, terroristas que inventam coisas sobre minha pessoa. São tão otários que estão me promovendo, promovendo meu nome, minha coragem, minha habilidade profissional.
Brasileiros – A antiga sede do DOPS hoje abriga o Museu da Resistência. O senhor já foi lá?
Augusto – Fui na inauguração e assinei o livro de presença. Aquele prédio é um prédio histórico. Achei muito bem aproveitado. Uma coisa até bacana. Só que deviam mostrar a verdade. Antes, ali era uma família, todos se respeitavam, eram muito solidários.
Brasileiros – O que acontece quando o senhor coloca a cabeça no travesseiro? O senhor dorme tranquilo?
Augusto – Além de dormir tranquilo, acordo sempre feliz por ter cumprido minha missão à altura do que o povo merece. Fiz o meu dever.

Crédito das fotos: Rodrigo Capote.

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