Transcrito da Revista Brasileiros - Por Luiza Villaméa
Carlos Alberto Augusto, 70 anos
completados no dia 1o de abril, fez questão de vestir smoking para ser
entrevistado pela Brasileiros. No salão de seu cabeleireiro em São Paulo,
depois de ter os cabelos cuidadosamente escovados, ele explicou o motivo do traje:
“Tenho o maior respeito pelas Forças Armadas. Como nunca fui militar e nunca
tive farda ou uniforme de festa, a partir de agora vou passar a me apresentar
de smoking, em respeito às Forças Armadas. E essa gravatinha preta que está no
meu pescoço é em respeito às vítimas do terror”. Entre 1970 e 1977, o delegado
trabalhou como investigador do DOPS de São Paulo, na equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury. Conhecido pela crueldade nas sessões de tortura, Fleury morreu
em maio de 1979, depois de cair de sua lancha, em Ilhabela, no litoral
paulista. O antigo chefe é um dos heróis do delegado Augusto, que ganhou o
apelido Carteira Preta nos tempos de investigador do DOPS. Ele conta que a
alcunha se deve ao fato de ter usado por muitos anos uma carteira funcional de
cor preta.
Os outros dois heróis nomeados
pelo delegado são o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e José Anselmo dos
Santos, o Cabo Anselmo. Brilhante Ustra chefiou entre 1970 e 1974 o DOI-Codi de
São Paulo, um dos mais truculentos centros de repressão do País. Cabo Anselmo,
por sua vez, jamais alcançou a patente pela qual ficou conhecido. Líder da
Revolta dos Marinheiros de 1964, ele depois se infiltrou em organizações de
resistência armada à ditadura, que ajudou a dizimar com suas delações. O
investigador Carteira Preta também assumiu o papel de infiltrado nos anos 1970.
Com o codinome César, ele atuou em parceria com Cabo Anselmo em pelo menos uma
temporada, que culminou com a morte de seis guerrilheiros, no chamado Massacre
da Chácara São Bento, em Abreu e Lima (PE). “Procurei cumprir minha missão, que
é salvar vidas”, afirma o delegado, ao falar sobre o massacre. Na Justiça
Federal, tramita uma ação em que ele é acusado de participar do desaparecimento
de um corretor da Bolsa de Valores de São Paulo, Edgar de Aquino Duarte, antigo
colega de Cabo Anselmo na Marinha. “Não tem nenhuma prova de que eu tenha
prendido esse cidadão”, diz o delegado.
Ele também garante que não foi
torturador, embora seu nome conste de relação de algozes preparada por
ex-presos políticos. Em maio do ano passado, três meses depois de transferido
para Itatiba, no interior paulista, o delegado foi alvo de um protesto
organizado por ativistas da Frente de Esculacho Popular. Inspirado em ações
realizadas na Argentina e no Uruguai, o grupo procura localizar os torturadores
da época da ditadura e denunciá-los em público. Na ocasião, panfletos com um
resumo biográfico não autorizado do delegado foram distribuídos na cidade.
“Esse é um esquema montado para desmoralizar as autoridades policiais. Quem me
conhece, me ama. E acaba me chamando de Carteirinha”, diz. Aposentado desde o
dia 5 de fevereiro deste ano, o delegado conta nas páginas seguintes a sua
versão da história.
Brasileiros – Onde o senhor
estava quando ocorreu o golpe de 1964?
Augusto – Eu tinha 20 anos,
trabalhava como vendedor numa multinacional. Encontrava-me na rua Florêncio de
Abreu, próximo ao Mosteiro dos Jesuítas no Largo São Bento, no centro de São
Paulo. Lembro de papéis picados jogados dos edifícios, hinos pátrios tocando
alto em apoio às Forças Armadas, que nos salvaram do comunismo. Foi uma festa
com liberdade e segurança total. Teve apoio da imprensa, da sociedade
brasileira, dos informantes e alcaguetes.
Brasileiros – Como se decidiu
pela carreira de policial?
Augusto – O policial de verdade
nasce policial. Tem caráter de policial, sangue de policial nas veias. E
precisa ter coragem e muita sorte. Foram 44 anos, dois meses e cinco dias de
profissional da polícia. No total, tenho certidão de 55 anos trabalhados em
prol do Brasil, sempre recolhendo impostos.
Brasileiros – E o apelido
Carteira Preta?
Augusto – Sou policial por rígido
concurso público. Em estágio probatório, fui designado para cumprir minha
missão no DOPS, onde minha carteira funcional era preta. Lá também trabalhavam
ex-guardas civis, com carteira funcional vermelha, escrivães com carteira
verde, e delegados, que até hoje usam carteira vermelha. Como investigador de
polícia, tira de verdade, me restou esse apelido, Carteira Preta. Com a carteira,
fui Policial do Mês, Policial do Ano. Recebi vários elogios de secretários de
Segurança, procuradores do Estado, governadores. Mas o gostoso e o que me honra
muito é ser elogiado pelas vítimas, pela sociedade que reconhece os bons
policiais. E é à sociedade brasileira que devo satisfações, a quem tenho de
prestar contas. É ela quem paga meu salário, hoje discriminado, ganhando menos
por ser aposentado.
Brasileiros – Entre os presos
políticos, o senhor é também conhecido como Carlinhos Metralha. Por quê?
Augusto – A mentira é sempre a
arma dos comunistas, terroristas, ladrões do povo. Tomei conhecimento desse
apelido quando entrei com uma ação contra o maior grupo de mídia do Brasil, que
divulgou na televisão uma reportagem falando nesse apelido. A ação que impetrei
foi difícil, desgastante, mas ganhei uma vergonhosa indenização na Justiça.
Afinal, enfrentei bancas de advogados com fortes ligações com o judiciário.
Esses comunistas piratas, terroristas que me respeitavam muito, inventaram
isso. Eu tinha minha metralhadora de nove milímetros sempre nas mãos. Foi
comprada por mim, mas o Estado me expropriou.
Brasileiros – Expropriou? Como?
Augusto – Quando eu saí do DOPS e
fui para o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), o delegado
que estava no DOPS patrimoniou a metralhadora, não sabendo que era minha. Eu
não pude pegar. Ficou para o Estado, sem minha autorização. Era uma Smith de
nove milímetros, comprada no Exterior.
Brasileiros – Entre 1970 e 1977,
o senhor trabalhou diretamente com o delegado Fleury, no DOPS, em São Paulo. É
considerado o braço direito do delegado. O senhor fazia exatamente o quê?
Augusto – Nunca fui braço direito
do herói doutor Sérgio
Paranhos Fleury. Este sim, foi
delegado de polícia comprometido com a sociedade, cumpriu sua missão. Eu
procurava fazer o melhor para salvar e defender vidas. Infiltrei-me em quase
todas as organizações criminosas. Só faltaram os partidos políticos.
Brasileiros – Como o senhor
define o delegado Fleury?
Augusto – Homem de verdade,
macho, cumpridor de ordens, hierarquia sempre. Herói nacional.
Brasileiros – Em maio do ano
passado, o senhor foi alvo de um protesto da Frente de Esculacho Popular, em
Itatiba, no interior de São Paulo, para onde havia sido transferido três meses
antes, depois de promovido a delegado de segunda classe. Como foi?
Augusto – Essa manifestação de
otários, sócios do clube dos imbecis, me deixou feliz e contente. Lutei e vou
lutar sempre pela democracia, pela liberdade de imprensa, de ir e vir, de
gritar bem alto: “Cuidado com os Comunistas”, “Eles comem criancinhas”. Eles
são covardes, falsos revanchistas, terroristas, ladrões do povo, acostumados ao
cárcere, sempre escudados pela frase “Sou preso político”. Assim ganham
indenizações.
Brasileiros – Qual foi a reação das
pessoas da cidade?
Augusto – Na delegacia, na
padaria, no lugar onde eu almoçava, todos foram solidários comigo. Esse esquema
do esculacho é do Partido Comunista. Já atuaram assim na Argentina, no Uruguai.
É um esquema para desmoralizar as autoridades policiais, para o partido
crescer. Quem me conhece, me ama. E acaba me chamando de Carteirinha.
Brasileiros – Tanto os
manifestantes que foram a Itatiba quanto presos políticos afirmam que o senhor
foi torturador. O senhor torturou?
Augusto – Não, nunca torturei.
Mas todo criminoso dá a interpretação dele. Para essa cambada de vagabundos,
vadios, ladrões do povo, terroristas, estou torturando até hoje. Se não me
respeitassem, não falavam inverdades de mim. Lutei pra isso. Deixa falarem.
Depois eu cobro na Justiça, em que confio. Demora, mas ganho sempre.
Brasileiros – E a tortura no
DOPS?
Augusto – Não tinha. Não tinha
tortura de jeito nenhum.
Brasileiros – Como assim?
Augusto – Posso lhe garantir o
seguinte, eu ficava muito tempo fora. Quando estava dentro, nunca vi tortura.
Também não consta. Diariamente, a orientação de todos os advogados é para o
cliente dizer que foi torturado. Naquela época, os advogados dos terroristas
também orientavam nesse sentido. Mas quem está sento torturado agora sou eu.
Com 70 anos de idade, sob pressão de bandido.
Brasileiros – O senhor faz
aniversário em 1º de abril, o mesmo dia do golpe.
Augusto – Não houve golpe. Vou
explicar. O que houve foi contragolpe. Na época, eu não era policial, mas
acompanhava pelos jornais. Jânio Quadros foi a Cuba com o vice dele, João
Goulart. Voltaram com dinheiro para pagar despesas da campanha política. Os
dois. Jango comprometeu-se com Fidel Castro que iria facilitar a implantação do
comunismo no Brasil. Essa informação que estou lhe passando agora, o Exército
ficou sabendo naquela época. E o povo brasileiro exigiu que o Exército tomasse
providência. Jânio Quadros ficou nove meses no poder, sob pressão dos militares,
o que ele chamou de forças ocultas. Com a renúncia dele, o vice jamais poderia
assumir. Por quê? Porque eles chegaram até a condecorar Che Guevara, o braço
direito de Fidel Castro, quando ele veio ao Brasil.
Brasileiros – Quando o senhor
estava no DOPS, como era o seu contato com o coronel Brilhante Ustra, do
DOI-Codi?
Augusto – Nunca trabalhei numa
unidade do Exército. Não tinha contato com o coronel Ustra. Eu o conheci há
oito anos, num jantar. Para mim, o coronel Ustra é um herói nacional. Contra a
pátria não há direitos. A única falha das Forças Armadas foi não ter aplicado
os artigos do Código Penal Militar que preveem julgamento e condenação à morte
em caso de guerra. E nós vivemos uma guerra. Uma guerra traiçoeira, porque não
existia fardamento de uma das partes.
Brasileiros – E como era o
contato com o II Exército?
Augusto – Não era assim. O que
existia na época era a comunidade de informações, os órgãos de inteligência.
Nas reuniões, participavam as autoridades, os governadores. Aliás, eu fiz a
escolta de Laudo Natel (quando ele foi governador eleito de forma indireta, de
1971 a 1975). Fiz também a escolta do promotor Hélio Bicudo. Ele não queria,
mas nós saíamos todos correndo atrás dele, para dar proteção.
Brasileiros – Na época em que ele
denunciava o Esquadrão da Morte?
Augusto – É. Fiquei na porta da
casa dele, passando frio. Ele não teve a dignidade de oferecer um café para os
policiais. Quem ofereceu café e o banheiro da empregada para os policiais do
DOPS foi um vizinho dele.
Brasileiros – É curioso que
justamente o senhor tenha feito a proteção de Hélio Bicudo. Ele acusava Fleury
de comandar o Esquadrão da Morte.
Augusto – O doutor Hélio Bicudo
estava apurando fatos que não existiam. De qualquer forma, a missão da polícia
é proteger a sociedade. Ele está vivo até hoje. Doutor Fleury nunca falou mal
do doutor Hélio Bicudo. Nada. Ele estava na função dele, de promotor do Estado.
E o doutor Fleury estava na função dele, de delegado de polícia.
Brasileiros – A morte de Fleury
foi um acidente? Ou queima de arquivo?
Augusto – Foi realmente um
acidente. Nós apuramos tudo. Investigamos cem vezes. Se alguém tivesse
praticado esse crime, garanto que também não estaria vivo.
Brasileiros – O senhor se
considera um arquivo vivo da ditadura?
Augusto – Não. Se fosse, esses
canalhas vermelhos, covardes, já teriam me matado. Eles não querem saber das
verdades, aquelas tomadas por juízes, delegados de polícia, promotores de
justiça, padres alcaguetes, etc. Essa verdade não interessa a eles, gostam como
sempre de ouvir A Internacional. É o hino preferido dos comunistas. E eles são
perigosíssimos.
Brasileiros – Mas o senhor
acredita que corre perigo?
Augusto – Demais. O único
delegado da Polícia Civil que enfrenta esses canalhas, esses bandidos, sou eu.
E vou continuar enfrentando. E vou dizer. Vou morrer trocando tiro.
Brasileiros – Está escrevendo um
livro de memórias?
Augusto – Só rascunhos, de alguns
serviços feitos, no tráfico de drogas, ladrões de autos, sequestros
desvendados, mas estou pesquisando no Arquivo Público do Estado de São Paulo
(lá está o acervo do DOPS, com 13 mil pastas de dossiês, 150 mil prontuários e
cerca de dois milhões de fichas).
Brasileiros – Apenas a Comissão
Nacional da Verdade tem poder para convocar depoentes. O senhor aceita prestar
depoimento em outra comissão aberta para apurar os crimes da ditadura, como a
do Estado de São Paulo?
Augusto – Sendo convocado, não
tem outra saída. Sou funcionário público. Mas, como é para falar a verdade à
sociedade, tem que ser de público, à noite, com a mídia presente, ao vivo.
Tenho de convidar meus amigos, parentes, superiores, Forças Armadas, parentes
das vítimas, e ser sabatinado, mas por quatro anos. Só assim a verdade virá à
tona.
Brasileiros – Por que à noite? E
por quatro anos?
Augusto – Durante o dia, esses
bandidos, como foram indenizados, não trabalham mais. Eles já estão ricos.
Então, vão em todos os eventos possíveis para falar mal das autoridades
policiais. À noite, eu poderia levar os meus amigos e a sociedade. Porque a
sociedade é ordeira e gosta de trabalhar. E eles são vagabundos. E não adianta
me convidarem para ir à comissão da verdade por quatro horas. Eles querem
quatro horas só para humilhar. A história que eu tenho para contar, eu poderia
ficar quatro anos falando. Eu quero falar sobre o Partido Comunista, sobre os
assassinatos, os justiçamentos que eles fizeram.
Brasileiros – O senhor atuou
infiltrado em Recife, em um grupo da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, de
resistência armada à ditadura). É verdade que naquela época participou de uma
reunião com o bispo Dom Hélder Câmara (arcebispo, defensor dos direitos
humanos)? Como foi?
Augusto – Fiquei infiltrado muito
tempo nessa covarde organização terrorista criminosa. Tive várias reuniões com
o cardeal, na casa paroquial, em Olinda. Respeito muito Dom Hélder, mas me nego
a dizer o que ele instigava.
Brasileiros – No começo de 1973,
o senhor estava em Recife, atuando com o codinome César, em parceria com Cabo
Anselmo (líder da Revolta dos Marinheiros em 1964, mais tarde espião e delator,
a serviço do delegado Fleury). Foi quando seis militantes da VPR foram mortos,
em um sítio em Abreu e Lima (PE). O episódio é conhecido como Massacre da
Chácara São Bento. O que aconteceu?
Augusto – Procurei cumprir minha
missão, que é salvar vidas. A carta veio de Cuba. Por essa ordem vinda de Cuba,
um tribunal revolucionário vermelho, composto pelas vítimas, terroristas, havia
condenado à morte o herói José Anselmo do Santos, ou Cabo Anselmo, ou Jonathan,
ou Daniel. Falei que o apartamento não era lugar para executar ninguém. Disse
que eu levava o Cabo Anselmo para a área de guerrilha, porque não era um sítio,
era área de guerrilha. Ele estava armado. Entregou a arma. Eu o amarrei.
Brasileiros – E depois?
Augusto – Após o julgamento, saí
com o Cabo Anselmo para a execução. Depois, deveria enterrá-lo em local próximo
e não sabido, em vala feita pelos marginais do tribunal. Mas, devidamente
avisadas, as forças repressoras cercaram a área, para prender os idiotas.
Ocorre que um cachorro atacou um policial, que deu um tiro, em vez de uma
paulada. Com o barulho, sabendo que não tinham chances, os terroristas
reagiram, para não ir para a tortura. Era o que mandava a cartilha do facínora
Marighella (Carlos Marighella, líder da ALN, a Ação Libertadora Nacional, que
escreveu o Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano). Eles fizeram o que aprenderam
nos cursos de guerrilha de Cuba. Morrer pela causa e pela revolução. Eles
reagiram. Morreram. Eu e o Cabo Anselmo estávamos bem longe do local. Não posso
dizer nada sobre os detalhes. Não sei.
Brasileiros – Desde então, o
senhor foi uma espécie de protetor do Cabo Anselmo. É assim?
Augusto – Sempre fui pago para
proteger a sociedade. Cumpri o meu dever. O Cabo Anselmo deveria ter a proteção
do Estado, compromisso assumido na época. Mas os dirigentes do Estado mudaram,
deixaram o Cabo Anselmo na mão. Hoje, vive como morador de rua, em algum
assentamento do MST ou numa invasão de prédios na capital de São Paulo.
Brasileiros – O vínculo entre os
senhores se rompeu em outubro de 2011, depois de ele dar uma entrevista na TV
Cultura?
Augusto – Não se rompe
afetividade. Gosto dele até hoje. Como homem de verdade, ele evitou muitas
mortes, procurou ajudar as autoridades no dever cívico, de brasileiro. Nunca traiu
a pátria como esses muitos que estão no poder.
Brasileiros – O próprio Cabo
Anselmo assume que delações dele provocaram mais de cem mortes nos grupos de
esquerda.
Augusto – Não é assim. Eu vou
explicar. Quando ele foi entrevistado pelo Pena Branca (Octávio Ribeiro, o Pena
Branca, primeiro jornalista a entrevistar Cabo Anselmo, em 1984, para a revista
IstoÉ), a resposta sobre as baixas ficou “não sei, podem ser cem, podem ser
200”. Na verdade, ele não entregou ninguém. Ele estava sob vigilância havia
alguns meses. Sabe o Carlos Eugênio da Paz (um dos comandantes da ALN )? Sabe
por que ele está vivo? Porque interessava aos órgãos de segurança.
Brasileiros – Mas ele não era
informante da repressão.
Augusto – Não. Mas bastava
segui-lo para chegar aos contatos dele. Ele não cumpria nenhuma norma de
segurança da cartilha do Marighella. Sabe a Tereza Ângelo (guerrilheira da
VPR)? Eu a recebi na antiga rodoviária de São Paulo. Ela não sabia, é claro. De
lá, ela tomou um ônibus para um ponto (encontro clandestino) em Santo Amaro.
Depois retornou para o centro. Entrou na Biblioteca Mário de Andrade. Para
entrar lá, tem de deixar a bolsa no guarda-volumes. Eu me identifiquei para o
funcionário, peguei a bolsa, fotografei tudo. Ela estava com espelhos de identidades
e passaportes falsos. Pelo rádio, me comuniquei com o doutor Fleury. Já tinha
passado o número do ticket da mala que ela deixou na rodoviária, que também foi
aberta e examinada. Quando saiu da biblioteca, essa moça foi à Polícia Federal,
que ficava na rua Xavier de Toledo. Sei com quem ela conversou. De lá, ela
voltou para a rodoviária. Quando embarcou, o doutor Fleury passou os dados dela
e do ônibus para os policiais do destino. Era só campana, campana, campana. E
tinha campana móvel e fixa.
Brasileiros – E a aproximação com
o Cabo Anselmo? Como foi?
Augusto – Como sempre, alguém o
caguetou. A informação inicial veio do meio deles. Depois das investigações, as
campanas se desenrolaram. Passamos a acompanhá-lo. Como estava só, levou o
bote.
Brasileiros – O senhor também
atuou infiltrado no movimento sindical do ABC. O que apurou?
Augusto – Não é só isso. Atuei no
Estado, chefiava a Delegacia de Sindicatos e Associações de Classe do DOPS. Fiz
curso de sindicalista, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, quando o
presidente era o Joaquinzão (Joaquim Andrade dos Santos, símbolo do peleguismo
durante a ditadura). Não aceitei o certificado expedido, optei pela Polícia
Civil de São Paulo, com quem casei e fui traído. Se eu tivesse optado pelo
sindicalismo, com a experiência de investigador de polícia, tenho certeza de
que seria hoje um ministro mais qualificado do que os que estão nos governando.
Pelo menos na honestidade.
Brasileiros – Em um processo na
Justiça Federal, o senhor é acusado de participar do desaparecimento de Edgar
de Aquino Duarte, corretor da Bolsa de Valores de São Paulo. Segundo o
Ministério Público, o senhor participou da prisão dele, em junho de 1973. Como
foi?
Augusto – Não tem nenhuma prova
de que eu tenha prendido esse cidadão. Não tem porque não existe nem o fato,
muito menos a prisão.
O que vem acontecendo há mais de
15 anos são boatos, mentiras dos covardes, terroristas que inventam coisas
sobre minha pessoa. São tão otários que estão me promovendo, promovendo meu
nome, minha coragem, minha habilidade profissional.
Brasileiros – A antiga sede do
DOPS hoje abriga o Museu da Resistência. O senhor já foi lá?
Augusto – Fui na inauguração e
assinei o livro de presença. Aquele prédio é um prédio histórico. Achei muito
bem aproveitado. Uma coisa até bacana. Só que deviam mostrar a verdade. Antes,
ali era uma família, todos se respeitavam, eram muito solidários.
Brasileiros – O que acontece
quando o senhor coloca a cabeça no travesseiro? O senhor dorme tranquilo?
Augusto – Além de dormir
tranquilo, acordo sempre feliz por ter cumprido minha missão à altura do que o
povo merece. Fiz o meu dever.
Crédito das fotos: Rodrigo Capote.