Saiu na coluna de Augusto Nunes –
DIRETO AO PONTO - veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes
Até recentemente, o Brasil
esquecia a cada 15 anos o que havia acontecido nos 15 anos anteriores.O intervalo
entre os surtos de amnésia foi dramaticamente reduzido. No caso das pesquisas
eleitorais, por exemplo, o país agora esquece a cada 15 dias o que aconteceu
faz 15 dias. O afundamento do Datafolha e do Ibope consumado em 5 de outubro
mal completou duas semanas. Mas parece mais antigo que o naufrágio do Titanic,
informa a credulidade de incontáveis nativos reapresentados a levantamentos
estatísticos que prenunciam a reprise do desastre.
A pesquisa divulgada pelo
Datafolha nesta segunda-feira é apenas outro chute de longa distância que vai
mandar a bola às nuvens ou fazê-la roçar o pau de escanteio. Na sopa de
algarismos servida pelo instituto na semana passada, Aécio Neves tinha 51% dos
votos válidos e Dilma Rousseff, 49%. Nesta tarde, ela apareceu com 52% e ele
com 48%. Quer dizer que a candidata à reeleição ultrapassou o adversário tucano
e lidera a corrida?
Não necessariamente, previne a
margem de erro de 2% (para cima ou para baixo). O que há é um “empate técnico”,
expressão que quer dizer “em cima do muro”. Tanto ela quanto ele podem ganhar,
descobriram os videntes de acampamento cigano. Em números absolutos, Dilma
teria subido em quatro dias 4 milhões de votos. (Ou 2 milhões, murmura a margem
de erro para baixo; ou 6 milhões, grita a margem de erro para cima).
Sejam quais forem as reais
dimensões da multidão, é gente que não acaba mais. De onde teria saído? Das
grutas dos indecisos ou dos porões que abrigam os que pretendem votar em branco
é que não foi: segundo o mesmo Datafolha, esse mundaréu de eleitores não aumentou
nem encolheu. Teriam legiões de aecistas resolvido mudar de lado? Pode ser que
sim, avisa a margem de erro para cima. Pode ser que não, replica a margem de
erro para baixo.
A coisa fica mais confusa quando
se fecha a lente sobre as cinco regiões em que se divide o mapa nacional. Os
dois institutos enxergam Aécio com vantagem considerável no Sul, no Sudeste e
no Centro-Oeste. Dilma reina no Nordeste e vence no Norte. Seria esse
patrimônio eleitoral suficientemente encorpado para impor-se ao restante do
Brasil? (“Nem que a vaca tussa”, diria a presidente cujo vocabulário anda tão
refinado quanto o figurino e o andar de John Wayne ao fim de um dia de
filmagens especialmente exaustivo).
Os horizontes se turvam de vez
com a contemplação isolada das unidades da federação. Sempre segundo as usinas
de índices contraditórios, Aécio já superou Dilma no Rio Grande do Sul,
equilibrou a disputa no Rio, assumiu a liderança em Minas Gerais, cresceu
extraordinariamente em Pernambuco. Subiu em praticamente todos os Estados. Mas
a soma dos levantamentos estaduais avisa que foi Dilma quem cresceu mais. As
alquimias dos ibopes da vida, decididamente, não são acessíveis a cérebros
normais.
Para acabar com a lengalenga, e
botar ordem no bordel das porcentagens, o DataNunes acaba de divulgar o
terceiro boletim sobre o segundo turno. Como se sabe, é o único instituto que,
em vez de pesquisas, faz constatações, com margem de erro abaixo de zero e
índice de confiança acima de 100%. Como o crescimento de Dilma no Nordeste foi
neutralizado pelo avanço de Aécio nas demais regiões, os índices não mudaram:
com 55%, o senador do PSDB continua 10 pontos percentuais à frente de Dilma,
estacionada em 45%.
A troca de acusações
intensificada nos últimos dias nada mudou. Os simpatizantes do PT não ficaram
chocados com as agressões verbais de Dilma, nem estranharam o vocabulário de
cabaré vagabundo usado por Lula. Sempre foi assim. Os partidários de Aécio,
exaustos do bom-mocismo que contribuiu para a derrota de Serra em 2002 e 2010 e
para o insucesso de Geraldo Alckmin em 2006, aplaudiram o desempenho do líder
oposicionista.
Graças à altivez e à bravura de
Aécio, pela primeira vez os vilões do faroeste não conseguiram roubar até a
estrela do xerife. Pior: desafiados publicamente, os campeões da insolência
piscaram primeiro. No debate da Record, Dilma escancarou já na entrada do
saloon a decisão de fugir do tiroteio verbal que esquentou o confronto no SBT.
Compreensivelmente, Aécio resolveu levar a mão ao coldre com menos frequência.
Mas os fatos e a sensatez recomendam que se mantenha na ofensiva.
Foi depois do debate na Globo, o
último promovido no primeiro turno, que um Aécio Neves exemplarmente combativo
assumiu de vez o papel de porta-voz dos muitos milhões de indignados. A tática
do coitadismo, adotada por Dilma por ordem de Lula, é mais uma prova de que a
seita lulopetista está com medo. Teme que o adversário utilize toda a munição
de que dispõe e faça com Dilma o que Dilma fez com Marina Silva. O clube dos
cafajestes sonha com um líder oposicionista desarmado.
Sobretudo por isso, Aécio Neves
tem o dever de manter engatilhado o trabuco retórico. Ele representa hoje o
Brasil que resiste há 12 anos a um bando para o qual os fins justificam os
meios. No domingo, o país não vai simplesmente optar entre um homem e uma
mulher. A nação escolherá entre a decência e o crime, a honradez e a corrupção,
o Estado de Direito e o autoritarismo bolivariano, os democratas e os
liberticidas, a luz e a treva, a modernidade e a velharia.
Mais que o segundo turno da
eleição presidencial, vem aí um plebiscito: o PT continua ou para? Segue
colecionando delinquências impunes ou cai fora? A primeira alternativa mantém o
país enfurnado na trilha do atraso. A segunda pavimenta a estrada que leva para
longe do primitivismo e conduz ao mundo civilizado.